Sobre Demanda Espontânea, por Edson Ramos
Soprou o vento sul trazendo outro inverno desde a festa de São Pedro, em Ilhéus. Alinhados com o modelo federal de fusão de pastas, surge a Secretaria de Cultura e Turismo; e assim, figuras que representavam esses interesses públicos foram substituídas. É assim! Rapidamente, entre a queda do avião com Gabriel Diniz, um show do Parangolé na avenida e a vitória do futebol masculino brasileiro na Copa América, uma sucessão de fatos embaralha a nossa atenção. E por vezes acaba por passar despercebido o que está mais perto da realidade que nos cerca.
Coisa de meados de março de 2019, a Secretaria Municipal de Cultura de Ilhéus (Secult) lançou um edital de seleção de projetos que denominaram “Demanda Espontânea”. Espelhado numa política com mesmo nome e perfil, do governo estadual, essa iniciativa propõe a calendarização do repasse dos recursos do Fundo Municipal de Cultura (FMC) à sociedade local. Os agentes e grupos culturais podem apresentar propostas e essas serão analisadas por uma Comissão de Análise, que a princípio, se reunirá a cada dois meses ao longo do ano de 2019. E em 05 reuniões dessa Comissão, nomeada pelo secretário de cultura, devem ser distribuídos o valor total de 200 mil reais em projetos de até 05 mil para proponentes pessoas físicas, e até 10 mil para pessoas jurídicas. Nada demais!
Porém em tempos de “farinha pouca” foi gerada uma expectativa e uma mobilização inicial dos agentes culturais e da sociedade local. O que “espontaneamente” desembocou em 17 propostas apresentadas a Secult, em fins de maio, ocasião da segunda reunião da dita Comissão de Análise. No dia 28 de Maio de 2019 foi publicado no Diário Oficial do Município o nome das 12 propostas com inscrições habilitadas, e das demais 05 não habilitadas. E segundo os termos do próprio edital, a “publicação das propostas pré-selecionadas” deve se dar “até 30 dias após publicação das propostas inscritas”; e o repasse desse recurso público, “até 02 dias úteis após publicação dos projetos pré-selecionados”. O que trocando em miúdos significa que já a essa altura do ano, os proponentes que tiveram suas propostas selecionadas já deveriam saber desse resultado por meio de publicação oficial, ter seus contratos assinados, e estar com o recurso disponível em conta para cumprir com o cronograma de realização de seus projetos; que logo a seguir deveria beneficiar toda a sociedade local. O que não ocorreu até então! Nada foi dito! Nenhuma justificativa pública, revogação dos termos do edital, nem novo cronograma. Como se o silêncio fizesse tudo transcorrer na mais absoluta normalidade da ilha.
Não é que o setor cultural e sociedade local sejam pacatos, nem que a novidade das demandas da nova/velha Secretaria de Turismo e Cultura esteja além do alcance dos compromissos dos gestores públicos com os cidadãos. Parece que a questão subliminar desse enredo são os percentuais do orçamento público municipal que por lei deveriam ser diretamente destinados ao FMC. E a quais finalidades esse Fundo deve se prestar. Mas pra começo de conversa, essas são cenas de um próximo capítulo. Porque agora/ainda o que aguardamos dessa “novela”, são as boas novas de cenas passadas ainda por transmitir. Se é que me entendem!
O autor Edson Ramos é Professor e Ativista Cultural. Mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA e doutorando em Estudos Culturais pela UMinho. Integra a ação coletiva GuELA - Grupo Livre e Apartidário de Observação aos Direitos Culturais